Teatro de rua e Fotografias Dentro e Fora

Deixei as escadas rolantes do metrô me levarem até a Praça da Sé e desembarquei no Caixa Cultural. Na entrada do edifício dois seguranças permitiram que eu e uma moça branca entrássemos, sem perguntas. Logo atrás, barraram dois rapazes negros de bermuda e sotaque da zona sul. Parei para ouvir o rápido interrogatório. Disseram que iriam ver a internet (computadores são oferecidos gratuitamente). Justificaram-se. Olhares duvidosos, justificaram-se de novo. Prometeram bom comportamento. Só faltou apelar pro Papa Francisco. Enfim, passaram pelos vigias e andaram com pressa para seu encontro.

A ideia é um rolê sobre urbanismo. Primeiro ver a exposição São Paulo: Dentro e Fora, de Paulo Pampolin. São 30 fotografias sobre moradia em Sampa. Depois, conferir Cidades Gráficas no Itaú Cultural. Nessa metrópole, com um déficit de habitacional desesperador e ao mesmo tempo com uma quantidade enorme de apartamentos e terrenos vazios obedecendo a especulação imobiliária, uma mostra sobre o tema é sempre bem-vinda.

A simpática monitora, cujo nome não lembro, mas que era do Recife – o melhor Carnaval que eu conheço – me ajudou bastante. A primeira parte retratava as pessoas que vivem nos edifícios da região da Luz, aprisionados em seus apartamentos com medo da cracolândia. A segunda parte é um mural com fotos feitas pelos moradores do Cine Marrocos, em uma ocupação do MSTS (Movimento Sem-Teto São Paulo). Os próprios moradores as escolheram.  Enquanto víamos outras fotos urbanas na terceira parte, que ressalta mais a rua, o fora, um jovem se aproximou e conversou com a monitora:

 

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Segui enquanto eles continuaram conversando. A exposição é pequena mas vale a visita. No prédio ainda há uma grande mostra com 100 obras do gravurista e muralista Poty Lazzarotto, que ainda não visitei.

Antes de seguir pra Paulista, parei numa lanchonete na esquina com a Benjamim Constant:  um café e um enroladinho de presunto e queijo, por favor. Encostei no balcão e logo um teatro cotidiano se formou e assisti à seguinte cena:

 

ATO ÚNICO

(Lanchonete, um caixa com 40 anos, quatro funcionários jovens atrás do balcão, Ademir, 60 anos)

 

ADEMIR  (Na rua, em frente à lanchonete, grita para todos ouvirem)

– Ô corno! Ô corno! Você não! O Outro!

(Todos os funcionários riem)

ADEMIR – Ô viado! Ô viado! Não você, o outro, do lado, de azul!

CAIXA (grita) – Você ainda vai tomar porrada um dia, é muito folgado!

(ADEMIR entra na lanchonete)

CAIXA – Sai daqui! Não quero maloquero na minha lanchonete, Fora!

ADEMIR – Sou maloquero, corintiano e sofredor sim, ouviu? Só não sou ladrão. E também não sou viado, que nem todo mundo que trabalha aqui!

(Todos funcionários riem)

CAIXA – Acabou de sair o bolo, vai querer? Tá quentinho.

ADEMIR  – Opa!

(Funcionário 1 olha pra cliente (eu))

FUNCIONÁRIO 1 – Não estranha não, que é maloquero mas é gente boa. Normalmente ele vende loteria federal e bolão de uma lotérica, mas hoje tá vendendo água porque perdeu todo o dinheiro no bingo ontem. A gente vende a água mais barata pra ele. Não é seu Ademir?

ADEMIR – Perdi no bingo nada seu viado!

FUNCIONÁRIO 2 – Eita, tem alguma coisa contra viado, é?

ADEMIR  – Eu não tenho nada contra ninguém, meu amigo. É só o costume.

 

A cena continuou, mas fui até o caixa e paguei a conta, seis conto acho. Decidi ir de metrô pra ver o Cidades Gráficas. Mas isso fica pra outro post.