Menino Masculino

Sobem no busão e Renato passa o Bilhete Único contente ao perceber que há assentos vazios pros dois. Caminha e protege o lugar para Tarcísio que agradece, senta e pergunta:

– Sabe que eu nunca entendi essa sua parada de evangélico? Como é que pode?

– Vixe, foi um longo caminho.

– Mas a igreja tem um puta preconceito, só falam mal de viado o tempo todo, pra eles somos umas aberrações.

– Nem todo o lugar é assim

– Ah não?

– Foi a pastora da minha igreja que me ajudou. Ela conhecia minha história e sabia o quanto sofri porque achava que estava traindo a palavra. Foi ela que disse: “Deus está cagando pra sua sexualidade. Seja quem você é. Você é muito mais fiel do que muita gente, tenha certeza. Seja livre com Deus.

– hahaha, falou assim, cagando?

– Sim. Entendi que Deus está em todas as coisas, no palavrão, no amor, no meu coração e nas minhas ações. Até no homicídio tem o dedo dele.

– Gostei dessa pastora. E o que ela conhece da sua história?

Renato ficou pensativo durante um tempo. Deveria mostrar? Sim. Deveria confiar? Achava que não, mas sacou o celular assim mesmo. O pequeno segredo pesava. Devia livrar-se dele, deixar pra trás, como o ônibus que se despedia do terminal.

– Numcreio, é você mesmo cantando?

– Sim, tem uns dez anos

– Mas e aí, o que aconteceu?

– O que sempre acontece. Meus pais tentaram ignorar quem eu sou. Tentei fazer a vontade deles. Quando tomei coragem e explodi, vieram com exorcismo, cura gay e o caraio. Não funcionou, me mandaram pra São Paulo. Escaparam da vergonha e enterraram um filho.

– Nossa que história a sua.

Ficaram em silêncio um tempo.

Tarcísio virou o rosto e deu um selinho em Renato.

– Só falta votar no Bolsonaro.

Renato sorriu, escolheu uma música no Spotify e dividiu o fone com Tarcísio enquanto o ônibus navegava na avenida.

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