Natação, Dalí e Trilhas Sonoras

Piscinas públicas são um inferno e uma salvação. Inferno: já cheguei a nadar com 12 pessoas na mesma raia no Sesc Vila Marina. Salvação: é possível nadar e isso basta; melhor quando estão vazias, apenas quatro pessoas por faixa molhada, todos no mesmo ritmo. Salvam também porque mensalidades de academias aquáticas custam a prestação de uma moto. São boas as piscinas da prefeitura, que na maioria das vezes combinam pouca gente, cuidados razoáveis e águas frias – nos Sescs são aquecidas.

o sonho do nadador egoista

Hoje estou no Sesc Pinheiros. Ajeito os óculos e a touca, confiro o nó da sunga e caio na água. Os primeiros duzentos, trezentos metros são cheios de ansiedade, sinto-me um Cielo, um Phelps, pulmões plenos, nadar parece uma esperança. Respiro a cada cinco braçadas, crawl sempre. Bastam 400 metros para aperceber-me do ridículo, foi tudo um sonho, nadar é difícil, cansa, abro a boca buscando ar feito um rinoceronte insano.

Depois disso, sou invadido por todo tipo de pensamento, a reunião de família no sábado, uma mulher que fiquei e me deixou no vácuo no facebook dias depois, tenho que pagar a mensalidade da MEI, o que farei à noite: tudo boiando comigo, como boias presas ao corpo, ideias líquidas e impregnadas de cloro. É uma saudável terapia que de uma hora pra outra transforma-se em meditação. Mergulho em meu corpo, no cuidado dos movimentos, nos músculos ardendo e como deslizar na água. De repente, esqueço-me. Nadar é bom demais.

Entre prazeres e cansaços, nadei 1600 metros. Uma pena que minhas braçadas no Sesc estejam chegando ao fim. A partir de 1 de janeiro, apenas comerciários utilizarão a piscina. Usuários como eu ficarão de sunga na calçada. Bom, fiz um alongamento meia-boca, tomei banho e submergi em sons e imagens. No mesmo prédio há uma exposição destinada às trilhas sonoras cinematográficas: Música e Cinema:  o casamento do século.

 

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Inaugurada em setembro deste ano, fica em cartaz até o dia 11 de janeiro de 2015 – você não tem desculpa para não ir.  Imperdível pra quem gosta desse casório, mas precisa do mesmo preparo cinéfilo de um Rubens Edwald Filho pra ver tudo de uma vez só.  Muita coisa, todas as etapas de produção, inúmeros olhares, centenas de vídeos. Legal demais exibir a relação entre diretores e músicos:  a reação de Spielberg ao ouvir John Willians tocar a trilha de Tubarão pela primeira vez – aquela mesmo, a antológica, quando o peixão ataca. Ou a intensidade com que o compositor Angelo Badalamenti descreve a criação do tema de Twin Peaks junto com David Linch.

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Há uma sala de projeções com trechos de mais de 70 filmes. Coisa pra caramba. Um corpo que cai, O Amante, Ran, Rio, Dançando na Chuva, Deus e o Diabo. Muitos trechos, achei exagerado, pra ver tudo demora mais de meia hora. Queria colocar alguns exemplos aqui e quando vi, já tinha dez vídeos. Entendi o que se passou. São tantas cenas memoráveis que 70 trechos é pouco.  Só três exemplos: um clipe de Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas e música de Chico Science e Nação Zumbi, a cena final de Acossado de Jean-Luc Godard e a cena do cego em Amelie Poulain, de Jean Pierre Jeunet.

 

 

 

 

Não vi tudo porque fui assaltado pela fome. Não chegava a ser uma fome longa-metragem tipo Avatar, mas era bem mais que um curta, o suficiente pra impaciência dar o bote. Opções na região não faltam como o honesto restaurante do Sesc, mas lembrei dos sandubas do Bar das Batidas, o conhecidíssimo Cú do Padre. Rápido e bom sanduíche de calabresa com picles e queijo por R$ 15.

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Dalí pro Dalí, caminhando. É a segunda vez que visito a exposição de Salvador Dalí no Tomie Ohtake, que mostra o início da carreira do mestre catalão – quando foi influenciado por Picasso e Miró – e seu percurso até o surrealismo.  Mas acho que faltam mais obras surrealistas. Há também vídeos com suas contribuições para o cinema com Disney, Hitchcock e o filme Cão Andaluz, todos disponíveis no youtube. Interessante ver suas ilustrações para livros, que eu nem sabia que ele fazia, uns desenhos sensacionais para uma edição de Dom Quixote de La Mancha. O que mais gostei e por isso voltava, são as ilustrações para Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll:

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Esses rabiscos brancos são reflexos da iluminação. As imagens e os trechos do livro não me deixaram dúvida, tenho que ler Alice. Certamente compraria em um sebo ou no Estante Virtual. Mas isso deixa pra outro dia.